segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O corpo do Poeta.

As mãos do Poeta não são aquelas que machucam
 Mas sim as que descrevem e afagam.
As palavras do Poeta não são aquelas que agridem
Mas sim as que enlevam.
Os olhos do Poeta não são os que choram
Mas sim os que contemplam mesmo cegos.
O coração do poeta não é aquele que retém
Mas sim o que dá.
A cabeça do Poeta não é apenas pensamento
O tronco do Poeta não é apenas movimento
O viver do Poeta não é apenas sentimento
Mas todo tempo do Poeta é apenas um momento.
As pernas do Poeta não são aquelas que se cruzam
Mas sim as que caminham pelo mundo como tigres
Levando o corpo do Poeta junto, preso as próprias presas
A Poetar.

Danilo Otoch.

À Jorge Luis Borges.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Egoísta

Quero sorver da seiva
   A última gota.
Quero absorver do claro
   O último lume.
Quero desfrutar da vida
   Até o ocaso da última chama.
Quero se possuidor de sua forma
   Como o mar que te banha e te envolve.
Quero ser eu a arrancar teu disfarce de vestal
   Pra que goze em mim seu destino.
Quero que nunca venha o sol
   Te acordar do sono ao meu lado.
Quero ser no teu espelho teu reflexo
   Para fazer parte de ti e ser indivisível.
Quero tudo o que for necessário
   Para ser feliz seu grande íntimo
Quero desfrutar de tudo o que merece um vencedor
               Eternamente.


Danilo Otoch.

Certas noites resigno-me

Certas noites arde meu peito
E a brisa aviva chamas imorredouras
Que não há como apagar.
Certas noites ardem calores esquecidos
E não existem banhos ou sortilégios que os abafem.
Existem sim meus olhos espantados
E minha face rubra vestida de doloroso respeito
Ante o poder que guardo secretamente em mim.
Existem minhas mãos crispadas
E movimento incessante em meu corpo,
Não há paz, pois não há o que dizer,
Não há o que fazer,
Só me resta deixar arder e aguardar.

Danilo Otoch.

domingo, 17 de outubro de 2010

Branco poema de saudade negra

Tenho saudade de seu jeito extenuado de ser,
Envolta em sua branca pele de sedosidade perigosa.
Dos seus olhos tristes, do seu jeito de meio olhar.
Lembro-me do brilho de seus olhos
Como se duas lágrimas lá estivessem presas
Desafiando a gravidade de toda situação.
De sua boca entraberta, calada de fala
Mas repleta de suspiros e sentimentos íntimos.
De sua carne firme e amena encostada na minha,
De seu cobertor de cabelos a proteger-me
Do frio da solidão.

Cego que fiquei,
Pela luz que emanava do nosso leito
Não percebi sua saída.

Agora tenho saudade,
Por sentir-me toda dentro de mim
Por sentir-me todo ausente de ti.

Danilo Otoch.

Eus

Eu tenho dois em mim,
Ambos querendo ser um.
Irreconciliáveis e fortes,
Ambos duelam pela primazia
De mim mesmo.
Um é reservado
O outro amplo.
Um é cínico
O outro sério.
Um quer todos perto
O outro solidão.
O que fazer quando se quer
Ao mesmo tempo os opostos?
Quando uma voz lhe diz vai
E outra fica.
Quando uma lhe diz sim
E outra não
Quando uma lhe diz cuidado
E outra que se dane.
Ambos são bons
Ambos são eu
Apenas são diferentes os quereres.

O que fazer quando se tem dois em si
E se acaba sendo um terceiro a julgar
Qual o correto?

Danilo Otoch.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Ao mar

Sinto-me balançar na maré da vida.
Sinto-me espumar como as ondas quebradas.
Sinto as ondas dos dias quebrarem
Contra meu peito rochoso, e erodi-lo,
E de lá levarem meu coração, no repuxo,
Em torvelinho, e moerem-no
De encontro as pedras,
Até dele fazerem areia.
É como já disse o Poeta,
A vida vem em ondas como o mar.

Danilo Otoch

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Voz

Gasto aqui minha última voz
A voz mais egoísta
A voz que ninguém ouve
É a voz que fala mais alto.
A voz que grita um nome
Através de milhas e milhas.
A voz que pede ajuda
A voz que sente dor
A voz solidificada que escorre da pena,
A voz que sem pena, canta e conta
O que a outra voz não fala.


Gasto aqui minha última voz
A voz que profana meus segredos
Que exuma minhas culpas
E expõe meus pecados.
A voz sem dó, que aparece
Apenas quando estou só.
A voz que habita em mim,
Que não controlo e exorcizo
A voz que não é minha,
A voz da poesia.

Danilo Otoch.

domingo, 10 de outubro de 2010

Medo

O medo que tenho de te ver
É o medo de dizer
O que não consigo
E que mesmo calando
Tenho medo de deixar transparecer.

O medo que tenho de te ouvir
É o medo de descobrir
O que já sei
E que mesmo sabendo
Tenho medo de deixar acontecer.

O medo que tenho de você
É o medo de me perder
Em caminhos desconhecidos
Deixar de lado quem me ama
Para te amar
Tenho medo de te amar
E tenho medo de ser amada por ti.

O medo que tenho
De dormir a seu lado
É o medo de ao acordar
E abrir meus olhos
Descobrir que felicidade não é sonho.

Danilo Otoch

Conflito de interesses

O vento quer lembrar,
O mar quer esquecer.
O vento levanta sua voz
E sopra um ciclone de saudades.
O mar cresce seu corpo
Criando entre as ondas
Um abismo de esquecimentos.
Sopram e rugem toda a noite,
Incessantemente.

Pela manhã o vento não passa de brisa,
O mar de suaves ondulações.
Repousam exaustos os dois titãs
O vento lembrando, o mar esquecendo,
Enquanto os humanos pequenos,
Amaldiçoam a paixão dos elementos.

Danilo Otoch.

Conjugações

Eu escrevo
Tu lês
Ele censura.

Eu sou
Tu és
Ele controla.

Eu trabalho
Tu educas
Ele rouba.

Eu vivo
Tu tentas
Ele julga.

Eu crio
Tu realizas
Ele destrói.

Eu grito
Tu reages
Ele cai
Nós vencemos.

Danilo Otoch.

sábado, 9 de outubro de 2010

Intolerância

É difícil ser diferente em terra de perfeitos,
Ser bicha em terra de machos,
Ou mulher em terra de homens.
É difícil ser pobre em terra de ricos,
Branco em terra de preto,
Preto em terra de branco
Ou cor de abóbora em qualquer canto.


Realmente é muito complicado ser crente em terra de ateu.
Tão complicado quanto ser ateu em terra de crente.


É difícil querer a paz em tempo de guerra
Ou se alimentar de modo especial,
É difícil fazer teatro ou escrever poesia,
Subir no alto do monte ou simplesmente voar.
Até ser normal é difícil às vezes,
Principalmente em terra de loucos.

Mas nada é mais difícil do que ser feliz,
Já que sempre haverá quem diga que estamos errados,
Seja aqui ou em qualquer outro lugar.

Danilo Otoch

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Relação

Você me pede calma, eu grito.
Você me pede explicação, eu calo.
Você me pede jura, eu minto.
Você me pede amor, eu fujo.
Você se fragiliza, eu firo.
Você me diz que vá, eu fico.


Mas se você me olha, eu rio.
E se me abraça, eu gosto.
Você me diz não, eu dispo.
Você me pede beijo, eu dou.
Você me diz põe, eu ponho.
Você me abre o corpo, eu gozo.


Você não percebeu, te amo.
Se não acredita, eu juro.
Mas se você me diz fica, eu vou.
Você me diz mau, eu sou.

Danilo Otoch.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Poema Existencial

Se sou metade homem
E metade alma, e se
Metade de mim ainda é animal.
Isso sem falar na metade que é Deus
Ou a cara-metade que é outra pessoa
E ainda está por aí, desfalcando-me.
De quantas metades afinal sou feito?

Danilo Otoch.

Telúrico

De tanto que andei descalço, com os pés na terra
Que de minhas unhas e solas estenderam-se raízes
Fixando-me ao solo.
De tanto que fiquei imóvel, preso a minhas novas raízes
Que meu corpo enrijeceu-se, minhas juntas viraram nós
E minha carne madeira.
De tanto que os ergui, meus braços viraram galhos
 E de meus dedos saíram ramos,
Imortalizando meu agradecimento.
De tanto que fiquei exposto ao sol e chuvas
Que meus cabelos viraram folhas
 E pássaros foram lá fazer seus ninhos.
De tanto que amei, meus amores viraram flores
E meu sémem, frutos. O meu sangue agora é seiva,
Minha pele é casca e eu sou árvore.


Danilo Otoch.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Nós

Eu e tu,
Tu e eu
De fronte para o silêncio
Não fazemos nós.


Eu e tu
Tu e eu
calados desatamos nós
que não prendiam, uniam
E soltos vagamos perdidos.
Eu sem tu
Tu sem eu.
Cada qual em seu horizonte.


Danilo Otoch.

Acadepol

Foi tudo tão rápido,
Durou como um suspiro
Desses dados a noite
Antes de dormir
Motivado por lembranças
Inefáveis de um momento
Com a pessoa amada.
Não mais que um suspiro.
Rápido assim.


Danilo Otoch

Os cantos do caminho.

Os cantos do caminho
Não são vozes ou ângulos
Ritos de passagem ou sombras.
Talvez sejam medos ou pesadelos
Talves sejam memórias ou visões
Premonitórias. Não são músicas
Mas podem ser pessoas. Não são alcovas
Mas podem ser refúgios ou esconderijos.
Mudos ou sussurrantes,
Existem cantos
Mesmo no mais reto dos caminhos.

Danilo Otoch.

De homens

O homo sapiens pensa,
E escolhe seu caminho.
Ele olha a lua e quer chegar lá.


O homo faber trabalha,
E produz a sua vida.
Ele olha a lua e vai até lá.



O homo ludens brinca,
E espera seu destino.
Ele olha a lua e faz uma poesia.


Danilo Otoch.

Templo

Seu corpo,
Meu templo
De carne profana
Onde eu te adoro.


Eu me ajoelho
E me submeto.
Ao meu templo,
Ao seu tempo.


Celestiais características,
Divinas formas,
Terrenos prazeres


Seu corpo
Meu templo
Porta de entrada para o paraíso.


Danilo Otoch.

Lenda

Amanhece,
O antigo deus que sonhava com o esquecimento
Acorda e estremece.
Sente medo da morte,
Providencia uma peste e um milagre,
Um filho e outra lenda.


Olha para os campos e templos
Ouve seu nome ser clamado
E sorri.


Volta a dormir
Com a sensação de dever cumprido
E uma vaga esperança de melhores sonhos.

Danilo Otoch

Posse

Mesmo o mais profundo dos mares
Bate em costas.
Em minhas costas não tão largas,
Batem mares bem mais profundos
Do que poderiam.


Mas não há dor.
Só há uma distancia entre os outros costados
Igual ao mar que nos aflige.
A água salgada que respinga em meus lábios
Trazendo-me sede,
E os restos de outras vidas que os mares carregaram
Para deitar enfim em mim.
Garrafas com pequenas mensagens
De náufragos de si mesmos.



Enquanto isso minhas costas suportam todo o peso
Do sol, do mar profundo e dos pés
Da recem chegada descobridora,
Que com um olhar avalia a extensão de seus domínios,
 E que sorri enquanto toma posse.

Danilo Otoch

Canto da sereia

Um sonho que se sonha duas vezes
É um tesouro a ser desenterrado.
Que se pensou perdido para sempre,
Ainda que estivesse do seu lado.
Tesouro de riso fácil e bom coração,
De imensa capacidade de perdoar,
Olhos que brilham na escuridão.
Com sentimentos confusos como o mar
Marés que vem e vão na vida
Nunca se entende nossa sina.
Mas quando ouço a sereia cantar,
Sei que seu nome é Janaína.

Danilo Otoch.


A Janaína Godoi.